domingo, 17 de maio de 2009

De longe e de perto

Humberto Ak'Abal

De longe,
a voz das montanhas
é azul.
De perto,
é verde.

domingo, 10 de maio de 2009

Verossímil

Adélia Prado

Antigamente, em maio, eu virava anjo.
A mãe me punha o vestido, as asas,
me encalcava a coroa na cabeça e encomendava:
'Canta alto, espevita as palavras bem'.
Eu levantava vôo rua acima.

sábado, 9 de maio de 2009

A Árvore Nua





Humberto Ak'Abal
Corri pra dizer à mamãe
que o pessegueiro
estava chorando.
Ela riu:
'Só está trocando de roupa'.
O pessegueiro
deixava cair suas
folhas secas.


Solar


Adélia Prado
Minha mãe cozinhava exatamente:
arroz, feijão roxinho,
molho de batatinhas.
Mas cantava.

Explicação de Poesia Sem Ninguém Pedir


Adélia Prado
Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.

Canção da Flor da Pimenta

Cecília Meireles

A flor da pimenta é uma pequena estrela,
fina e branca,
a flor da pimenta.
Frutinhas de fogo vêm depois da festa
das estrelas.
Frutinhas de fogo.
Uns coraçõezinhos roxos, áureos, rubros,
muito ardentes.
Uns coraçõezinhos...
E as pequenas flores tão sem firmamento
jazem longe.
As pequenas flores...
Mudaram-se em farpas, sementes de fogo
tão pungentes!
Mudaram-se em farpas.
Novas se abrirão,
leves,
brancas,
puras,deste fogo,
muitas estrelinhas...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Minas


O desenho acima é uma gravura que ganhei de um artista das ruas de Ouro Preto, numa das vezes em que estive por lá. Ele assina José Roberto Moreira e é aquarelista. Se você quiser falar com ele (se o telefone ainda for esse), ligar para (31)3554 1130.

O gostinho de minha terra natal contado através da simplicidade criativa de Adélia:

Adélia Prado
Minas, tantas há por aqui, subterrâneas ou à flor da pele, o que bem achado foi apelidá-la Gerais : Minas Gerais, quase meio alegre em seu muito silêncio, vezo de melancolia, macambuzeira, mofina, quase alegre de ipês no seu gosto amarelo. Tão contida chora o alegre, tão contida canta o triste, dança como alforriada, o sapateado é sério, pedindo sempre licença, tirando sempre o chapéu, cheios de curvas os casos, os entre parentêsis finórios, contam pecados barrocos e santidades extáticas se rindo para dentro, mas esperta que o resto do que sobrou do mundo. Que boa fatalidade ser herdeiro de Minas, ter por riqueza seus bois, poeira, cerrados, oratórioas, rezas, vioças prazerosamente tristes, seu luto aliviado de quaresmeiras, tudo o que é lamentosos e bonito e gasta tempo para se fazer, doces, namoros, olhares, promessa de festa no corpo e eternidade na alma, muntanhas, luares, amanheceres sobre picos com muita e densa neblina, frios. estou inventando Minas? Certamente, mas tudo é mesmo inventado. E isto é Minas tambèm.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Os Carneirinhos

Cecília Meireles

Todos querem ser pastores,
quando encontram, de manhã,
os carneirinhos,
enroladinhos
como carretéis de lã.

Todos querem ser pastores
e ter coroas de flores
e um cajadinho na mão
e tocar uma flautinha
e soprar numa palhinha
qualquer canção.

Todos querem ser cantores
quando a Estrela da Manhã
brilha só, no céu sombrio,
e, pela margem do rio,
vão descendo os carneirinhos
como carretéis de lã.

domingo, 3 de maio de 2009

As Andorinhas de Antônio Nobre

Desenho de Borjalo, um desenhista que eu não conheço mas que fez esse cartum realmente fantástico.


Cassiano Ricardo Leite

_ Nos
_ fios
_ ten
sos
_ da
_ pauta
_ de me-
tal
_ as
_ an/
_ do/
_ ri/
_ nhas
_ gri
tam
_ por
_ fal/
ta
_ de u-
ma
_ cl'a-
ve
_ de
_ sol.

Ao meu avô


Humberto Ak'Abal


Ao meu avô
os passos se acabaram;
caminhou muito.
Agora, a terra
se move pouco a pouco
debaixo de seus pés
para que ele possa
chegar mais perto
das margens do sol.

Poesia


Carlos Drummond de Andrade
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

sábado, 2 de maio de 2009

Motivo


Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidas,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.